terça-feira, 13 de outubro de 2009

em defesa dos meus escritos

Escrevo minha arte.
Meus escritos são como folhas de um diário rasgado.
Folhas de um diário com algum componente criativo, alguma invenção.
Minhas palavras não pretendem causar o choque nem ousadia
O desafio é existir em si mesma. Livre de mim minha escrita é arte.
Porque arte não é o belo, o delicado, o singelo
tampouco é o feio, o rude, o complicado
artístico é o subjetivo, é o que se afina não só ao suposto artista
arte é menina órfã, querendo brincar e pegar nossas mãos
Se brincamos com a menina, sentimo-na de perto, então ela toca.
Tal é a arte. Toque. Aproximação. Afastamento. Reação.

Quando escrevo minhas cousas
quero tirá-las de dentro de mim
para derramá-las enfim sobre um papel
- senão transbordo de amor e fúria.

Por isso meus poemas são arte
São subjetivos na sua verdade - componente factual-
Tanto quanto na sua mentira - componente ficcional-
E minhas palavras não pretendem a beleza, riqueza, choque, espanto, rima ou estética.
Elas são como feixes de luz
disparam em diversos rumos aceleradas e dramatizadas.
Percorrem alguns cantos escuros e seguem em frente..
Por isso as chamo de arte.

Sigo a realizar essa transmissão unilateral:
eu - sentimentos - poema.

Não digo que constituem-se enquanto arte porque fazem parte de mim
Não, elas deixam de ser meus sentimentos exclusivamente quando tomam forma de poemas.
Numa metamorfose tornam-se elas escritos.
Palavras que vão além de mim e da minha vida
Elas podem ser meus sentimentos, os teus ou os de Ester
Elas se pretendem universais
posto que podem ilustrar minha vida, a tua ou a de Ester.
E nesse aspecto as chamo de arte.
Não advieram de mim por maiêutica
elas são fruto de algum esforço meu
mas depois de terminadas, não mais me pertencem exclusivamente.


São meus, mas podem ser teus e de Ester também.
Há uma liberdade na escrita que se sobrepõe à cor, status e credo.
Elas pertencem a quem as quiser.
Estas palavras sentimentalóides,
esta vida de Ester,
este poema que se encerra.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

um breve desabafo

Ester, andando na beira da praia
sapatos nas mãos, maquiagem borrada. Dona de intensas felicidades-relâmpagos..de uma vida com alguns escândalos, de um caráter e de um orgulho igualmente imensuráveis.
Ester é mulher para se entregar, para se deixar levar- por querer- Ester quer encontrar.
Todavia, é mulher para virar, dar a volta e simplesmente voltar- porque Ester quer encontrar.
E assim diverte-se em sua busca, pela sua força de mulher bandida, pelo seus sonhos de mulher apaixonada, pela sua força de mulher determinada.
E lá vem Ester, caminhando na praia, ritualizando mais um início,
mais um começo daquela sua velha procura de sempre...

domingo, 20 de setembro de 2009

À espera do ônibus vi um moço sem o pé
Perguntei se estava com fome. Ele disse que não e agradeceu.
Não me olhou nos olhos. Olhava para baixo como se não pudesse me encarar.
Tiraram a dignidade daquele moço.
Alguns transeuntes olhavam-no
uns com dó, outros com repúdio.
Como erguer a cabeça assim?


Eu te compreendo, moço.
Respeito o teu olhar baixo - apesar de querer te ver de cabeça erguida.
Respeito tua dor e tua vergonha.
Pergunto-me com que direito todos estamos agasalhados e limpos enquanto estás sujo e maltrapilho.


Com que Direito tiraram teus direitos básicos
tua dignidade, teu direito de homem?
Que igualdade é essa? Que liberdade é essa?
Usurpadoras do fundamental
Que matam de fome e de indignidade?

Brincadeira de beija-flor

Beija-flor beijaste tanto
como sabes do que gostas - da margarida ou da tulipa?
-Beija-flor gosta das duas rosas

Mas qual delas tu preferes?
a que beijaste agora ou a que podes beijar depois?

-A rosa que beijo agora beijaria por todo o sempre
mas me parece que aquela rosa está agora um pouco diferente
Uma nova rosa é outro sonho
outro suspiro e outro dilema
Mas preferir, prefiro a branca.

Ah, Beija-flor, pobre da rima deste poema!

-O perfume da outra também me provoca
Mas a rosa-rosa é outro poema.


Beija-flor
o que farás tu?
com tantas rosas para beijar..
Porque não viras logo um urubu?!

O cão e o frango

O cão é preto e levado
O frango é seu amigo - o frango de plástico!
O primeiro furta os ossos do lixo, ladrão esperto.
O dia todo é assim: o cão levado traz na boca seu frango quieto!

O frango, em gemidos, na boca do cão
O cão o sacode, o abraça, o solta:
E lá vai o Cocó, parar estendido com a crina no chão.

Mas na boca daquele cãozinho
o plástico desse franguinho parece até um monte de penas

É o cãozinho, que tem magia de criança
(criança canina!)
E transmite um pouco de sua vida
ao seu querido amigo Cocó.

Cisma

Não esperes muito das horas
elas podem ironizar-te
e podem custar longo tempo a passar.
Cuidado com o copo de leite que carregas
enquanto caminhas para a cama.
Distraída nas horas como andas
ele pode virar sobre a roupa que vestes.


Da mesma maneira cuidado com o que desejas
com teus sonhos e tuas vontades
eles podem não ser verdadeiramente o que tu desejas.

Fique atenta à mente vazia,
à casualidade das coincidências,
aos murmuros ao pé do ouvido,
às conversas insanas.

Olha tudo ao teu redor
Confere as coisas, as pessoas e os sentidos
Cuidado quando acordares e quando fores deitar.
Cuidado com o que tu pedes
e no que tu acreditas.
Cuidado, Ester.

sábado, 12 de setembro de 2009

Rouxinol Perdido

Sou eu teu Rouxinol
Amando-te, canto para ti
Quando penso que tu gostas do meu cantarolar
Tu me prendes numa gaiola.


Triste, sussurro uma canção quase de dor- Rouxinol Acuado.
Então vens tu, perto da gaiola em que me deixaste, a pedir pelo meu canto quase-interrompido.
E eu, Rouxinol Feliz, novamente torno a cantar.
Gostas ainda mais do canto do teu Rouxinol, depois que interrompe-o, aparentemente esgotado?


Parece-me incoerente. Meu canto te encanta. Eu sei.
Mas teu Rouxinol deveras cantante parece em muitos momentos te aflingir.
O que te pareces? Tanto canto de amor perversamente machuca teus ouvidos?!
O que te parece, dono do Rouxinol?


Assim, reprimo-me eu, Rouxinol.
Meu canto é de amor, não de aflição.
Escuta e ouve - deixa o som invadir teus ouvidos
e tocar também teu coração.
E se não quiseres este canto, se não gostares,não há motivos para aflição.
Apenas deixa o Rouxinol voar.
Que voando ele procurará outro abrigo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A dança dos dois irmãos

Na dança daqueles irmãos havia tempero,
era a cor, o amor e o gênio.
Meus negos tinham um gingado!
Meus não. Nossos, meus e da Flor.
Não há mais dança, só há saudade. Muitíssima.
Enquanto dançavam o coração do mais novo cansou.
E a mais velha, sofre, sem par e sem irmão.
E agora, sofremos sem ele,
a Irmã, a Flor, eu.. Todos.
É que ele não joga mais capoeira nem a pelada,
Na reunião da diretoria ele também não faz mais quitutes,
Nosso quituteiro,nosso capoeira, nosso encrenqueiro e nosso amado.
Nosso Rogério.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Querido,

Não penses que ele (o Mundo) não me verás caso eu me esconda na multidão.
Não é me escondendo que quero ser vista.
Prefiro um pouco de exposição - ainda que sinta medo-
para que eu possa tentar melhorar.
Entendo tua precaução. Mas ela é tua.
Está em ti esta prudência de não te mostrar.
Não digo, contudo, que estás errado.
Mas também não me sinto equivocada quando faço o exato oposto do que me pedes..

Agradeço-te a preocupação,
mas quero que ele(o Mundo) me veja tal como sou.
E por isso sigo a tentar exibir minhas prendas.
Porque de nossas percepções há dois caminhos - O Mostrar ou o Esconder.
E lá vou eu, pai,
pulando da pedra alta,
expondo-me aos riscos.
Quando olho da janela
Inúmeras ruas e carros e pessoas,
No meio de tudo isso vejo o futuro chegar.
Choro um pouco porque sinto medo.
O que tenho eu para apresentar-lhe?
O que posso eu mostrar ao meu futuro?!

Não há genialidade. Nem grandes talentos.
Há alguns sonhos e expectativas. Muitos planos.
Porém são inúmeras as incertezas e inseguranças.
As metas não possuem rotas muito claras
e alguns caminhos que traço parecem dissolver-se no vento.

Diante de tudo isso como posso eu não temer o Futuro?
Não há facilidades ou eternas felicidades.
Meu estado de alegria não é estático.
Penso em momentos felizes
E percebo que estar feliz sempre parece mais longevo quando pensamos essa alegria no passado.]
Como se no presente ela fosse mais curta:
Um sorriso. Um suspiro.

E sigo a pensar no Futuro que vem surgindo na minha janela
tantas outras cousas me vêem à mente,
e todas elas apontam para o meu despreparo.
Minha falta de iniciativas, de talentos e genialidade.
Torno a chorar.
De raiva por não deixar de assumir minhas falhas,
Por saber que ainda sendo mais fácil forjar pseudo-talentos
mostro-me assim, a inspirar-me num espelho.
Também há um certo ressentimento,
um despeito, porque comigo as cousas não costumam ser fáceis..
(mas isso é outra história, outro caso e outro poema!)

Então, lembra-te, Futuro, que mesmo assim estou da minha janela, a te esperar.

sábado, 22 de agosto de 2009

Primeira confissão de Ester

Eram sete e meia da manhã. Acordei com o gotejar da chuva que caía já há algum tempo. Levantei e fui ao banheiro. Deitei-me novamente. Era mais uma manhã. Não, não era. Voltei para a cama e não dormi. Eis aí o prefácio da singularidade desse dia: não vindo o sono, resolvi levantar. Mas naquele instante me pareceu não haver absolutamente nada para fazer, exceto pensar. E foi o que fiz. Incrivelmente meus pensamentos não descambaram para crises fatídicas ou tragédias gregas. Não queria sofrer com lembranças desagradáveis; nem queria ceder aos apelos do mundo. Poderia deixar para outra hora os problemas da humanidade.
...
As cortinas das minhas idéias se fecharam; e quando se abriram novamente uma apresentação se iniciava: era um pouco de música e teatro. Havia interpretação e ritmo na dança e na canção. A chuva caía como cascata e ventava muito na rua, árvores da calçada eram um grupo de ninfas a dançar languidamente a canção sussurrada pelo vento. Eis um espetáculo: jovens moças dançando, a celebrar a vida. A chuva era o roteiro, que na sua mudez, tocava. As árvores-ninfas, as dançarinas, a minha rua, o cenário, o vento realizava a trilha sonora. E eu? Era o público; deliciada, ria da minha ingenuidade, da minha imaginação de criança.
...
Ingenuidade sim. Poderia ter ligado a televisão ou o rádio, poderia ter lido um livro. Em vez disso, brinquei. Usei a imaginação como costumava fazer quando criança - gostava de olhar as estrelas e conversar com elas, como se eu fosse uma estrela também.
...
Nessa minha brincadeira o sono voltou. Meus pés ainda doíam dos sapatos que tanto me cansaram na gafieira. Quando deitei-me na cama compreendi o que diferenciou aquela manhã de tantas outras: não haviam mais máscaras, e eu voltara a ser doce menina de novo. Parecia não haver motivos para mais fugas e jogos de amor. Por volta das oito me encontrava sonolenta, cansada da inocente brincadeira. Meu corpo estava leve e relaxado,como costumava ser anos atrás e eu me sentia ligeiramente feliz... Amanhã tiraria meu luto.

Da minha entrega,

Areia úmida, meus pés sentem frio. A manhã ainda é jovem.
Num ambiente poético que é o mar numa manhã que se inicia resolvo me entregar.
Vagarosamente caminho na direção dele,
quanto mais me aproximo, sinto que acelero os passos - quero logo chegar.
Já sinto a água bem fria tocar meus pés. Arrepio-me.
Um pouco de frio e de medo também. Medo da felicidade, da beleza de tudo isso.

Na tua direção vou, como a caminhar de encontro ao mar.
Meio desajeitada, atiro-me ao leito d'água, como se dele quisesse fazer parte.Como de ti quero também.]
Das tuas correntezas e de tuas ressacas. Eu te desejo por completo.
Dos teus receios e dissabores, pois posso chorar contigo o quanto quiseres.

Mas posso rir e ser agradável.
Cantar em teu ouvido o prazer da tua presença.
("é que no peito do desafinado também bate um coração.")

E posso ser teu exclusivo prazer. E quero.
Te dar minha carne, meu corpo...

Finalmente entrego-me por inteiro.
Ofereço-te meu corpo, minhas carícias e meu coração.
Porque o que mais almejo agora é ser teu abrigo, tua ponte, tua mulher.

Pedido

Este soneto deve ser lido como um pedido:
Eu te peço amor e cumplicidade.
Quero um pouco de paciência também,
e a lealdade e fidelidade que pretendo te dar.

Eu quero teus olhos para me encontrares quando eu estiver perdida.
Teus lábios para nossos beijos doces,
E também para me aconselhares quando eu precisar.
Quero você comigo e que eu esteja contigo também,e que seja assim por todo o tempo.

Esses suspiros, os quero para sempre.
Envolve-me em teus braços fortes,
pois assim me sinto amada e segura.

Surpresas, boas-novas e histórias.
Não mais só,
Quero andar de mãos dadas contigo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O segundo conto de Ester

Ao chegar à sua casa, Ester sentiu que a vida continuava. Não adiantava perder-se no redemoinho de seus sentimentos, uma vez que o mundo prosseguiria com sua misteriosa harmonia. E afinal, era terça-feira e seus dias de terça-feira costumavam ser animados: após sua corrida diária, tinha horário com Rose, sua manicure e cabeleireira improvisada. Rose na verdade era sua vizinha, que acorrentada a um matrimônio autoritário, deliciava-se ao enfeitar sua amiga para momentos felizes que ela mesma já não podia mais ter.
Terminada a corrida, Ester tomava um longo banho; fechava os olhos e deixava a água percorrer todo o seu corpo- imaginava-se numa bela cachoeira, a banhar-se nua e livre. Já enrolada na toalha, ia enxugando-se lentamente quando o telefone tocou; era Rose com a voz ainda chorosa. Seu marido havia bebido e ela não poderia ajudar sua amiga a se arrumar:
- Você sabe como ele é. Vai dizer que estou indo encontrar outro.
Ester consolou a amiga, afinal de que adiantaria tentar acordá-la daquele pesadelo? Para quê lembrar-lhe que aquela vida era tão pouco? Por que fazer Rose se deparar com verdades tão cruéis ? Rose ainda não estava verdadeiramente disposta a mudar. Ester se indagava tais coisas enquanto dizia quase que mecanicamente à amiga:
- Calma, Rose. É só um mau dia. Faz a janta...quem sabe ele não dorme?
Encerrou a ligação com um "eu te amo" que demonstrava a cumplicidade daquela amizade. Ester estaria ali para tudo e para sempre. Ainda absorta nos problemas de sua amiga, ela corre para atender o telefone, que toca insistentemente. São outras amigas, as companheiras da gafieira:
- Sim, eu vou. Termino de me arrumar em uma hora. Até mais. Beijo.
E Ester voltou ao seu quarto. Ia vestir a roupa que já estava separada. Lingerie e saia novas para mais um novo começo. Depois sentou-se de frente para a penteadeira, soltando a toalha que prendia seus cabelos ainda úmidos. Começou a secá-los, mas como achou tudo quieto demais, ligou o rádio e ao sussurar algumas canções havia secado todo o cabelo. Mas ainda achou seu cabelo muito volumoso- não possuía o talento de sua Rose- e por isso prendeu-o num coque.
Agora, restava apenas a maquiagem. Era sua parte favorita. Seu momento de arte. Sentia-se mais mulher quando espanava o pó rosado paralelamente aos olhos, nas maçãs de seu rosto. E riscou um lápis bem preto nos olhos, junto com um rímel que esticava-lhe os cílios. Ester gostava de olhar seus grandes olhos destacados na pintura que fazia de si mesma: eles eram o instrumento de sua curiosidade, seu espírito observador e de sua sensualidade também...
Passou-se aquela hora. E foi com um prazer imenso que Ester calçou os sapatos e virou-se novamente para o espelho. Aquela dor havia passado, sentia-se uma bela mulher novamente.

domingo, 9 de agosto de 2009

do teu ódio,

Se o humano se deslumbra com o que aprendeu sobre o mundo,
as miudezas lhe afetam profundamente a vida. É o seu ego.
Mas só isso não atesta fraqueza.
O ser fraco é aquele que se julga deveras forte diante das cousas pequenas.
Ele não consegue admitir superioridade alheia.


Fraquezas, todos talvez as possuamos
mas o fraco vai além das fraquezas,
pois diz respeito a uma grande fraqueza em particular: a pretensão do saber tudo,
do viver tudo( terá ele conquistado tudo também?!)

O fraco é o escárnio,
é quem se julga dono do absoluto
- da verdade, da razão e de outros pormenores.
Ora, ele não é!
O coitado lameou-se numa farsa.

Ester, neste momento, não te apiedes destes fracos
E sorri, pensando nas imensas dores que sofrem
- como aquelas, que causam em ti.
Te vingues dos fracos nas tuas palavras odiosas e assim expurga este rancor que vai em teu peito .
Que de tuas palavras saiam faíscas,
que elas queimem feito magma incandescente,
tal é o ódio que de passagem assola- te os pensamentos.
Lava o teu corpo deste imundo ódio,
E retoma o teu caminho de paz.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O primeiro conto de Ester

Ester sentou-se num banco de praça. Seu vestido azul transcende a serenidade que toca-lhe a alma. Aí de onde se encontra dá para ver o mar, e quando fecha os olhos a mulher consegue ouvir tímidas ondas, que parecem deslizar no mar estendido.
Há um quê de desapontamento na serenidade de Ester. Ela lembra de algum de seus casos, de algumas das camas em que se deitou- e suspira, parecendo meio cansada desses curta-metragens que correm em sua memória. Seria vulgaridade ou pressa?. A sucessão de seus homens seria luxúria de mulher vadia, ou seria o desespero por encontrar terra firme?
Essas indagações parecem tirar Ester da órbita terrestre; levam-na paro outro sistema, com outras constelações e outros planetas. Repentinamente ela retorna à Terra: o vento intensifica-se, e rouba-lhe o chapéu; a mulher corre desajeitadamente para buscar seu acessório.
Depois do esforço físico, ainda ofegante, Ester dá uns tapinhas para retirar a poeira do seu chapéu. Coloca-o de volta na sua cabeça. Seus cabelos parecem meio desarrumados agora.
De posse de seu chapéu ela retorna ao banco, sentando-se sem a mínima pressa; não há compromissos ou alguém a lhe esperar... No corpo e na alma de Ester vão uma tristeza e solidão incrivelmente serenos.
Estática, a contemplar o mar, ela parece querer fazer hora; quer ver o tempo correr diante de sua inércia para que possa errar menos. Ester tenta enganar o Tempo para que haja menos ilusões e corações machucados, inclusive o seu.

Impaciência

Com certa impaciência às vezes levo a minha rotina
detesto os dias em que as horas parecem caranguejar no tempo.

Meu tormento é essa aceleração quase que nata, presa à minha pessoa.
Ela me acompanha há um tempo tal
que penso ser dela uma manifestação em ato.

Todavia deveria apagar a estrofe acima,
para extrair essa suposta naturalidade
devia purificar-me desta pressa, desta mazela
( que há muito me assola.)

Mágoa

Não quero lembrar-me de ti
mas quando eu lembrar
que seja como pensar no almoço de ontem,
Lembrar de ti deve ser como lembrar de qualquer outra pequenice do dia.


Não quero que lembres de mim
não quero que me maldigas,
quero que me ignores de longe como me ignoraste de perto.
Como negou minhas carícias e minha certezza
Que não lembres de mim de longe
como não lembraste de me dar a mão, o corpo e o respeito.
Como me usaste, me usufruíste, e depois me cuspiste.
como se eu nada fosse ou valesse.

Que não sintas a dor que sinto... pois ela irá passar.


Agora, serás em minha vida o vazio que fui na tua,
não serás memória ou fotografia,
serás aquilo que não foste capaz de ser ou
aquilo que simplesmente não existiu.
Cadê meu sorriso?
mais um sonho, uma quimera
-Escolhes tão mal teus homens
que preferes amar ao teu sentimento
do que a eles próprios!


Em alguns suspiros
já sinto que desperto,
é a realidade a me acordar novamente.

-Outro esboço, outro papel e outra caneta.
Lá se foi mais um coração.

Viagem

Permancer ainda que esteja distante..
Abstração,
os olhos já não vêem bem
os sons parecem vir de longe.

No caminho belas trilhas alvinegras,
boas lembranças,
não é tão difícil nem tão simples assim
é apenas necessário.

Talvez porque a distância valorize as cousas pequenas
e é necessário sentir falta
até das cousas mais insignificantes
é preciso adaptar-se a elas
porque estas não somem
nem se incomodam em incomodar.
Tia Ester, aflita como de costume
confunde-se nos almejos- ora quer, ora não quer.
Talvez porque não saiba
não sabe o que esperar nem o que fazer e nem porquê.
Tia Ester é meio esquisita:
tem medo da solidão mas é feliz quando sozinha
Fala tanto que às vezes se perde em suas palavras


Há uma vitalidade, um sentimeto de colaboração com a vida
E isto faz com que ela queira cooperar;
Mesmo não sabendo bem com quem ou com o quê
ela verdadeiramente quer.

Muitas vezes o melhro era estar distante, mas fatalmete ela está por perto.
Também seria bom não observar tanto,
para não ter de constatar tantas falhas em si mesma e nos outros também.


Ester queria sentir menos,
sofrer menos
e chorar menos também!
Se pensasse menos talvez obtivesse menos conclusões ao longo de um dia.
Ontem tive um belo sonho, como há muito não sonhava;
numa algazarra, uma imensidão e um sorriso.
Com meus olhos ainda cerrados consigo sentir
como o sonho era doce, macio e suave- algodão rosa e doce
Aquele devaneio era boa canção de bossa
era relva cheirosa e verde..

Infelizmente aproximou-se o momento de levantar
afinal um sonho é apenas um sonho,
um instante, um afastamento da realidade caótica.
E comigo não poderia ser diferente.

Meu devaneio pôs-se junto ao sol,
numa linha alaranjada que chamam por horizonte.
Estática, fiquei ali a contemplar o lindo dia que terminava,
O lindo sonho que se desfazia, misturado ao sol que se escondia.

Cinzas

Um dia frio dos meus receios e temores
Na cor cinza esse dia é mais provável
Dessa minha tendência absurda de buscar estabilidade no meio das coisas
No meio das experiências e dos sentimentos
Aqui seguem palavras cor de cinza
(Ou simplesmente são como cinzas?)


Aqui segue um código falso
uma mensagem que tenta ser neutra.
E que se forja impassível,
mas não sabe quem é
nem como é,
nem se é.


Não sabemos se são pretas ,se são brancas ou cinzas;
Mas são como cinzas!
Vão sumindo na imensidão
esses pontos pretensiosos,
cheios de cor ou sem cor alguma.

Rosa Testemunha

Dá-me uma rosa como prova de que tudo o que vivemos é verdade
Ela o corpo e a matéria,
desse mundo de leveza e suavidade no qual vivemos.
Que ela seja o símbolo,
simbolize as nuvens num céu azul
ou aquele mar que costumo fazer de leito;


Que esta rosa demonstre esta paz...
Vejam nela meu semblante sereno,
minha sã alegria,
porque estou um pouco cansada de tantos devaneios e fúrias.
Não posso mais com aquele velho mar em fúria.


E que além de símbolo, ela seja um marco também.
E que nem em seu fim ela se acabe
Posto que as rosas podem morrer- mas que seu símbolo se perpetue
E que venham mais e mais testemunhas!

da minha necessidade

Não escrevo só para mim
Transcrevo impressões por nós e para nós.
Por mim, que me pergunto ou me lamento
E por ti, que apenas ouves calada.
Para mim, que sinto o mundo pulsar nas veias
e por ti, que não entendes o que é intensidade.
Por ti, que me julgas tola
e por mim, que te julgo aflita.

Escrevo porque acredito que na escrita esteja a nossa salvação - a minha e a tua.
Eu te personifico como o mundo - e não te compreendo como não compreendo o mundo.
E por isso escrevo por mim e por ti - o Mundo
E faço por nós e para nós – para a nossa cura.

Escrevo como quem suplica,
como quem roga,
quem invoca.

Escrevo minhas impressões e sentimentos
de forma difusa, confusa
-como dentro de nós eles costumam ser-
E assim me ritualizo,
como quem deseja ritualizar o mundo,
como quem almeja ordenar a vida,
como quem quer fugir das incontingências.

E portanto essas linhas não têm um fim claro
porque não paro de suplicar por nossa paz,
porque não posso parar de rogar por mim e por ti – senão haveria mais caos!
e não paro de invocar ordenamento- na minha vida, na tua e no Mundo.
Talvez nunca saibas dessa minha declaração de amor,
Dessa minha luta para vivermos melhor. E é melhor que seja assim.
Não compreenderia minhas palavras de amor porque elas não são cor de rosa nem melodiosas.
Mas expressam minha necessidade de te amar,
Não posso ordenar o caminho entre nós – o que ser feito e o que não ser;
Mas aqui busco ritualizar nossas vidas. Aqui elas são estáticas.
E por isso tomo as rédeas, não por vingança, mas por terapia:
Exercício repetido exaustivamente que pode me regenerar...
E quem sabe assim, realizando esta última necessidade, não nos regeneremos?