terça-feira, 11 de agosto de 2009

O segundo conto de Ester

Ao chegar à sua casa, Ester sentiu que a vida continuava. Não adiantava perder-se no redemoinho de seus sentimentos, uma vez que o mundo prosseguiria com sua misteriosa harmonia. E afinal, era terça-feira e seus dias de terça-feira costumavam ser animados: após sua corrida diária, tinha horário com Rose, sua manicure e cabeleireira improvisada. Rose na verdade era sua vizinha, que acorrentada a um matrimônio autoritário, deliciava-se ao enfeitar sua amiga para momentos felizes que ela mesma já não podia mais ter.
Terminada a corrida, Ester tomava um longo banho; fechava os olhos e deixava a água percorrer todo o seu corpo- imaginava-se numa bela cachoeira, a banhar-se nua e livre. Já enrolada na toalha, ia enxugando-se lentamente quando o telefone tocou; era Rose com a voz ainda chorosa. Seu marido havia bebido e ela não poderia ajudar sua amiga a se arrumar:
- Você sabe como ele é. Vai dizer que estou indo encontrar outro.
Ester consolou a amiga, afinal de que adiantaria tentar acordá-la daquele pesadelo? Para quê lembrar-lhe que aquela vida era tão pouco? Por que fazer Rose se deparar com verdades tão cruéis ? Rose ainda não estava verdadeiramente disposta a mudar. Ester se indagava tais coisas enquanto dizia quase que mecanicamente à amiga:
- Calma, Rose. É só um mau dia. Faz a janta...quem sabe ele não dorme?
Encerrou a ligação com um "eu te amo" que demonstrava a cumplicidade daquela amizade. Ester estaria ali para tudo e para sempre. Ainda absorta nos problemas de sua amiga, ela corre para atender o telefone, que toca insistentemente. São outras amigas, as companheiras da gafieira:
- Sim, eu vou. Termino de me arrumar em uma hora. Até mais. Beijo.
E Ester voltou ao seu quarto. Ia vestir a roupa que já estava separada. Lingerie e saia novas para mais um novo começo. Depois sentou-se de frente para a penteadeira, soltando a toalha que prendia seus cabelos ainda úmidos. Começou a secá-los, mas como achou tudo quieto demais, ligou o rádio e ao sussurar algumas canções havia secado todo o cabelo. Mas ainda achou seu cabelo muito volumoso- não possuía o talento de sua Rose- e por isso prendeu-o num coque.
Agora, restava apenas a maquiagem. Era sua parte favorita. Seu momento de arte. Sentia-se mais mulher quando espanava o pó rosado paralelamente aos olhos, nas maçãs de seu rosto. E riscou um lápis bem preto nos olhos, junto com um rímel que esticava-lhe os cílios. Ester gostava de olhar seus grandes olhos destacados na pintura que fazia de si mesma: eles eram o instrumento de sua curiosidade, seu espírito observador e de sua sensualidade também...
Passou-se aquela hora. E foi com um prazer imenso que Ester calçou os sapatos e virou-se novamente para o espelho. Aquela dor havia passado, sentia-se uma bela mulher novamente.

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