terça-feira, 1 de março de 2011

E assim surge a beleza de uma mulher (de Ester e tantas outras)

Ester nunca entendeu bem o acaso da beleza.
Em seu caso ela brotou meio que por acaso
A moça sempre fora vaidosa principalmente de dentro pra fora, em vez de fora pra dentro]
(Aliás como a maioria das meninas não geniais costumam ser.)
Orgulhava-se de seu quê de humanismo, ainda que fosse consideravelmente precário.
Suspirava briosamente por seu gênio facilmente reconhecível. É que existe uma força intrínseca nela que repentinamente pode fazer o outro calar.]
Envaidecida, ela pecaminasomente ama essas coisas que têm dentro de si, que podem se resumir numa espécie de bravura, que a torna capaz de duelar.
Contudo, não costumava se gabar tanto pelos olhos, boca e quadris. Aliás, demorou um tempo para vê-los assim.
É que para Ester toda essa alegoria apenas ressaltava sua personalidade irriquieta.
Os ossos, carnes e cabelos apenas refletissem o tempero de seu espírito deliciosamente malicioso.
E, para Ester, sua aparência nada seria sem essa pimenta de espírito.
Essa coisa quente e incômoda que a torna inquieta, exaltada, alterada.
Essa ardência de alma que faz dela essa coisa assim: que ou se ama, ou se odeia, ou se é simplesmente indiferente...
Essa volúpia de Ester...
Essa volúpia é de quem acredita ser especial.
De quem vive cada dia lutando para ser especial.
Tal é a beleza de Ester, esse conjunto de coisas que vai do cabelo às carnes sensuais daquela mulher, que no fundo é negra.
Beleza, que como tantas outras do Mundo, podem passar terrivelmente - para nossa Ester, é claro - despercebidas.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Entre calmaria e sereias

Esperou tanto tempo que agora o caminho se construiu de uma maneira intrincada.
É como se andassem por ruas paralelas. Ruas que não se cruzam. Tal como eles.
Ela pensa no jovem rapaz, que seja na vulgaridade de tantos romances baratos ou clássicos, nunca foi correspondido.
Um jovem rapaz rude, pobre, feio ou o micto de todas esses atributos...
E por isso ele sofre. Tal como ela sofreu.
Não pelo que ele era em si, mas pela rejeição dela. E ela entendia bem essa frustração. Essa expectativa não correspondida. A infeliz assimetria daquele desencontro..
Ela, aspirante a poeta, lembrou-se dos homens e mulheres rejeitados. E de como doeu. No coração e na vaidade. No peito e no ego.
Passada a tempestade, felizmente, ela navega em mares mais calmos agora. Rota refeita. Trajeto abruptamente alterado. Livre de aventuras filosóficas, de doces discordâncias. Mas livre também de dúvidas, de impedimentos.
Caminho permitido e suave. Tudo que ela vê no outro e que nunca conseguiu conquistar por si só.
Eis que ela escuta à noite, em sua deriva de paz, um sussurro baixinho.. como canto de sereia.
Mas ela sabe que as sereias são sempre encantadoras e traiçoeiras.
E fatalmente elas o são os dois na mesma medida.
E ela já engoliu um pouco d'água por um mergulho mal dado!
Naquela ocasião, pôs aquela água de volta à terra em lágrimas. Aquelas lágrimas frustradas de amargura.
E se, porém, aquela voz melosa da menina que ficou só nos sonhos, uma quimera que faz o jovem não correspondido rir.. e se aquele mesmo canto, daquelas mesmas sereias, resolverem calar para ouvir uma voz que fora abafada há tempos?
A voz que um dia gritou desesperadamente
- berrou e escreveu por paixão - e se de repente aquela voz pudesse ser escutada?
Ela pensa o que dizer, o que esperar, como escrever um conto assim?
Finalmente ela ri. Precisava dessa tortura e dessa confusão.
Desses aforismos amorosos que motivam sua escrita rudimentar.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Da vitória do nosso amor,

Pelo cordão que me destes outrora e que serviu-me de garantia de vida.
Por essa primeira dívida e por todas as outras que fui aquirindo ao longo do tempo.
Pelas palavras insanas, pelo comportamento insano.
Todos derrotados por tua dura complacência.
Por essa batalha de amor e ódio que travamos há tempos. E pela vitória do amor que nos une, sobretudo.
Pelas máscaras caídas, pelas lágrimas que limpam o chão da nossa humilde casa. Sim, nossa casa tornou-se agora um lar.
Por todas as pedras que atiraram-nos, e por aquelas, mais dolorosas, que atiramos uma na outra. Pelas peças, pelas agressivas correntes que nós permitimos que pregassem em nossos pulsos, estes que agora sangram e sofrem.
Essas "tenebrosas tentações" que misteriosa e Divinamente deu-nos uma força vital, tal qual era quando constituíamos um corpo só.
Por essa nossa vida de aprendizados e por essa primeira e atroz batalha, da qual já somos vencedoras.
E aquele cordão - que nem sei por onde anda - me parece agora bem firme em meu pescoço.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

em defesa dos meus escritos

Escrevo minha arte.
Meus escritos são como folhas de um diário rasgado.
Folhas de um diário com algum componente criativo, alguma invenção.
Minhas palavras não pretendem causar o choque nem ousadia
O desafio é existir em si mesma. Livre de mim minha escrita é arte.
Porque arte não é o belo, o delicado, o singelo
tampouco é o feio, o rude, o complicado
artístico é o subjetivo, é o que se afina não só ao suposto artista
arte é menina órfã, querendo brincar e pegar nossas mãos
Se brincamos com a menina, sentimo-na de perto, então ela toca.
Tal é a arte. Toque. Aproximação. Afastamento. Reação.

Quando escrevo minhas cousas
quero tirá-las de dentro de mim
para derramá-las enfim sobre um papel
- senão transbordo de amor e fúria.

Por isso meus poemas são arte
São subjetivos na sua verdade - componente factual-
Tanto quanto na sua mentira - componente ficcional-
E minhas palavras não pretendem a beleza, riqueza, choque, espanto, rima ou estética.
Elas são como feixes de luz
disparam em diversos rumos aceleradas e dramatizadas.
Percorrem alguns cantos escuros e seguem em frente..
Por isso as chamo de arte.

Sigo a realizar essa transmissão unilateral:
eu - sentimentos - poema.

Não digo que constituem-se enquanto arte porque fazem parte de mim
Não, elas deixam de ser meus sentimentos exclusivamente quando tomam forma de poemas.
Numa metamorfose tornam-se elas escritos.
Palavras que vão além de mim e da minha vida
Elas podem ser meus sentimentos, os teus ou os de Ester
Elas se pretendem universais
posto que podem ilustrar minha vida, a tua ou a de Ester.
E nesse aspecto as chamo de arte.
Não advieram de mim por maiêutica
elas são fruto de algum esforço meu
mas depois de terminadas, não mais me pertencem exclusivamente.


São meus, mas podem ser teus e de Ester também.
Há uma liberdade na escrita que se sobrepõe à cor, status e credo.
Elas pertencem a quem as quiser.
Estas palavras sentimentalóides,
esta vida de Ester,
este poema que se encerra.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

um breve desabafo

Ester, andando na beira da praia
sapatos nas mãos, maquiagem borrada. Dona de intensas felicidades-relâmpagos..de uma vida com alguns escândalos, de um caráter e de um orgulho igualmente imensuráveis.
Ester é mulher para se entregar, para se deixar levar- por querer- Ester quer encontrar.
Todavia, é mulher para virar, dar a volta e simplesmente voltar- porque Ester quer encontrar.
E assim diverte-se em sua busca, pela sua força de mulher bandida, pelo seus sonhos de mulher apaixonada, pela sua força de mulher determinada.
E lá vem Ester, caminhando na praia, ritualizando mais um início,
mais um começo daquela sua velha procura de sempre...

domingo, 20 de setembro de 2009

À espera do ônibus vi um moço sem o pé
Perguntei se estava com fome. Ele disse que não e agradeceu.
Não me olhou nos olhos. Olhava para baixo como se não pudesse me encarar.
Tiraram a dignidade daquele moço.
Alguns transeuntes olhavam-no
uns com dó, outros com repúdio.
Como erguer a cabeça assim?


Eu te compreendo, moço.
Respeito o teu olhar baixo - apesar de querer te ver de cabeça erguida.
Respeito tua dor e tua vergonha.
Pergunto-me com que direito todos estamos agasalhados e limpos enquanto estás sujo e maltrapilho.


Com que Direito tiraram teus direitos básicos
tua dignidade, teu direito de homem?
Que igualdade é essa? Que liberdade é essa?
Usurpadoras do fundamental
Que matam de fome e de indignidade?

Brincadeira de beija-flor

Beija-flor beijaste tanto
como sabes do que gostas - da margarida ou da tulipa?
-Beija-flor gosta das duas rosas

Mas qual delas tu preferes?
a que beijaste agora ou a que podes beijar depois?

-A rosa que beijo agora beijaria por todo o sempre
mas me parece que aquela rosa está agora um pouco diferente
Uma nova rosa é outro sonho
outro suspiro e outro dilema
Mas preferir, prefiro a branca.

Ah, Beija-flor, pobre da rima deste poema!

-O perfume da outra também me provoca
Mas a rosa-rosa é outro poema.


Beija-flor
o que farás tu?
com tantas rosas para beijar..
Porque não viras logo um urubu?!