sábado, 22 de agosto de 2009

Primeira confissão de Ester

Eram sete e meia da manhã. Acordei com o gotejar da chuva que caía já há algum tempo. Levantei e fui ao banheiro. Deitei-me novamente. Era mais uma manhã. Não, não era. Voltei para a cama e não dormi. Eis aí o prefácio da singularidade desse dia: não vindo o sono, resolvi levantar. Mas naquele instante me pareceu não haver absolutamente nada para fazer, exceto pensar. E foi o que fiz. Incrivelmente meus pensamentos não descambaram para crises fatídicas ou tragédias gregas. Não queria sofrer com lembranças desagradáveis; nem queria ceder aos apelos do mundo. Poderia deixar para outra hora os problemas da humanidade.
...
As cortinas das minhas idéias se fecharam; e quando se abriram novamente uma apresentação se iniciava: era um pouco de música e teatro. Havia interpretação e ritmo na dança e na canção. A chuva caía como cascata e ventava muito na rua, árvores da calçada eram um grupo de ninfas a dançar languidamente a canção sussurrada pelo vento. Eis um espetáculo: jovens moças dançando, a celebrar a vida. A chuva era o roteiro, que na sua mudez, tocava. As árvores-ninfas, as dançarinas, a minha rua, o cenário, o vento realizava a trilha sonora. E eu? Era o público; deliciada, ria da minha ingenuidade, da minha imaginação de criança.
...
Ingenuidade sim. Poderia ter ligado a televisão ou o rádio, poderia ter lido um livro. Em vez disso, brinquei. Usei a imaginação como costumava fazer quando criança - gostava de olhar as estrelas e conversar com elas, como se eu fosse uma estrela também.
...
Nessa minha brincadeira o sono voltou. Meus pés ainda doíam dos sapatos que tanto me cansaram na gafieira. Quando deitei-me na cama compreendi o que diferenciou aquela manhã de tantas outras: não haviam mais máscaras, e eu voltara a ser doce menina de novo. Parecia não haver motivos para mais fugas e jogos de amor. Por volta das oito me encontrava sonolenta, cansada da inocente brincadeira. Meu corpo estava leve e relaxado,como costumava ser anos atrás e eu me sentia ligeiramente feliz... Amanhã tiraria meu luto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário